
Num mundo em que cada vez mais se vive o aqui e o agora, a música tem o condão de nos prender ao momento preciso em que estamos. De diluir o “tem de ser fácil e estar mesmo ali à mão ou não vale a pena”. De desprogramar a formatação social e o famigerado “ter de ser para ontem” porque o hoje, de alguma forma, parece ter perdido todos os seus créditos para o amanhã e, simplesmente, ter deixado de existir…

Quando se escuta um piano numa igreja belíssima como nós escutámos, o hoje passa a ser hoje e não apenas uma mera antevisão de um dia que há-de vir. De um modo inato, todas as crianças sabem isso e daí ficarem absortas face a uma flor ou a um qualquer objecto enquanto os adultos, já mais à frente, se precipitam para o momento seguinte e já de lá as chamam “Vem!”. É por isto que elas muitas vezes nos olham admiradas antes de responderem ao chamamento… Porque elas estavam a viver o momento e não entendem porque nós adultos não o quisemos fazer.

Nesta pressa que alguns de nós poderemos apelidar de ansiedade – mesmo quando excepcionalmente bem disfarçada atrás de supostos e milhentos afazeres… – vai-se perdendo o tempo e o prazer pelas coisas pequenas que sustentam todas as grandes coisas. O vínculo verdadeiramente vivido com a dezena máxima de pessoas que de modo genuíno conseguimos emocionalmente albergar. Perde-se o tempo para ler, para escutar o outro, para olhar o céu em silêncio. Para se ser alguém e não a mera continuidade do olhar dos outros – ou a reacção ao que os outros querem ou supostamente são. Se já não pensamos, logo já não existimos.

É maravilhoso por isso perceber nas crianças a insistência indomável em “existir” em cada momento, em cada paragem, em cada questão colocada, em cada birra entoada, em cada “eu estou aqui e quero estar aqui agora e não nesse plano fantástico que vocês fizeram”.

Não houve birras entoadas no nosso Concerto de Ano Novo. Houve risos para os amigos e para os adultos. Houve dedos levantados numa ânsia de partilhar “Eu conheço essa música!!”. Houve uma vontade de acertar com o ritmo através dos pequenos instrumentos facilitados e de povoar o ar com as cores dos pompons.

Não sei se devemos às crianças pararmos o nosso hábito de vivermos o amanhã em lugar de o hoje. Mas tenho a certeza que lhes devemos a liberdade de poderem escolher viver serenas cada “agora” do seu dia; e de as protegermos de qualquer formatação social que as faça crer, que olhar uma flor hoje horas sem fim é inútil… em comparação com correr para o jardim imenso que o amanhã talvez traga.
Catarina A. Correia dos Santos
Autora do Projecto A Casa Amarela
Licenciada e Mestre em Psicologia Clínica (I.S.P.A.)
Licenciada em Psicologia Social e das Organizações (I.S.P.A. /Katholiek Universiteit Brabant)
Membro Efectivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (O.P.P.)
Agradecimentos:
Pianista Margarida Sousa Prates
Museu Nacional do Azulejo